Beijo gay em novela revela olhar enviesado sobre limites na TV
Beijos gay em novelas não deveriam ser comemorados. Pelo menos não aqueles encenados nos folhetins brasileiros.
É que selinhos longos como os de Cido (Rafael Zulu) e Samuel (Eriberto Leão), em “O Outro Lado do Paraíso” (2018), e de Félix (Matheus Solano) e Niko (Thiago Fragoso), de “Amor à Vida” (2013), ambas novelas da Globo, forão exibidos seguindo o olhar enviesado sobre os limites do aceitável para a audiência.
Na maioria dos casos, beijos entre homens ocorrem nos últimos capítulos, como clímax de histórias coadjuvantes nos meses de exibição, a exemplo da trama das 21h, e, invariavelmente, são tímidos, recatados e sem nenhum compromisso com o realismo.
O ganho para a teledramaturgia não foi, até agora, nada mais do que enfiar LGBTs na caixa de pessoas diferentes e exóticas, reproduzidos há décadas por programas de humor com o objetivo de provocar risos, não afrontar a família brasileira e produzir bordões.
Partir do pressuposto de que um simples beijo gay é algo tão sério que deve ser tratado à meia luz, em segundos ínfimos e com uma câmera de suporte atrás dos personagens para o caso de mudanças de última hora é dar aval ao conceito mais podre da homofobia de que gay bom não se expõe ou só serve para fazer os outros rirem.
Impossível não lembrar do selinho entre Júnior (Bruno Gagliasso) e Zeca (Erom Cordeiro), em “América” (2005), gravado e vetado na edição que foi ao ar.
Duas exceções à regra revelaram tanto o preconceito do brasileiro quanto as consequências em casos de rejeição do público.
O beijo de Teresa (Fernanda Montenegro) e Estela (Nathalia Timberg) no início de “Babilônia” (2016) foi ponto fora da curva na história da televisão, mas a gritaria de uma parcela odiosa do público foi tão grande que a Globo diminuiu a participação do casal de longa data na trama. Boicotes promovidos por “haters” da internet colaboraram para o caos nas redes sociais.
A supersérie “Liberdade, Liberdade” (2016) foi além do beijo e colocou André (Caio Blat) e Tolentino (Ricardo Pereira) em uma cama, nus e aos beijos, na cena de amor homossexual mais ousada exibida em TV aberta no país.
Não houve nenhum close errado ou além dos usados nas cenas de sexo heterossexual do horário nobre da emissora. As diferenças do ato, no entanto, começam pelo horário que lhe coube, no final da trama das 23h, e o contexto, no qual Tolentino está ligeiramente bêbado.
Também não teve final feliz para o casal. André teve o mesmo destino trágico de Rafaela (Christiane Torloni) e Leila (Silvia Pfeifer), mortas na explosão do shopping de “Torre de Babel” (1998): foi enforcado, por “sodomia”, a mando do próprio amante.